domingo, 27 de abril de 2014

O Leme de Outono

Quem me conhece sabe, que eu adoro e tenho o hábito de ir à praia sozinha.

Nada contra o coletivo, mas gosto de ler, dormir, estudar.  A brisa do mar me inspira e me leva para outra dimensão, aonde vai muito bem conjugar os verbos acima.

Bom, e lá estava eu, como outro domingo qualquer, depois de ter tirado uma soneca, dado um mergulho, secado, e finalmente com o livro na mão.

Aspirando um futuro espiritual e profissional melhor, eu estava lendo e pensando sobre a Economia Global e a Exclusão Social de Dupas, quando percebi que um cara estava se aproximando, quase totalmente aproximado do perímetro de areia onde estava a minha canga:

- Você quer um cigarro?

Tirei os olhos do livro, olhei, sorri sem mostrar os dentes e respondi taxativa:

- Não, obrigada.

Voltei os olhos para o livro, como quem diz “se adianta”, mas  o mala não desistiu:

- Qual seu nome?

- Maria, respondi.

- O que você está lendo?

- Estou lendo geografia, tenho prova, você pode me deixar estudar, por favor?

Já estava sem paciência não pelo que ele já tinha insistido, mas pelo que eu já tinha percebido que ele iria insistir.

- Quando é a sua prova?

Um segundo para não mentir errado porque essa semana tem feriado:

- Terça.

- Ah, então você tem tempo para estudar. Disse a bagagem da Paris Hilton.

- Meu filho, desculpa, mas eu preciso me concentrar. Você pode me deixar, por favor? Eu já estava furibunda, e deixando clara a minha ira.

- Você vai perder 30 minutos de estudo se falar comigo? Vai deixar de conhecer alguém interessante?

- Tudo tem seu preço, respondi.

Ele gargalhou como se a resposta tivesse sido uma sacada, mas era desespero dos brabos, eu já estava irritada a níveis perigosos.

- Olha, por favor, eu preciso me concentrar, você pode ir embora? Desculpa, mas eu preciso estudar mesmo. Supliquei com a alma.

Ele foi contrariado. Não era brasileiro, falava um portunhol esquisito. Coisa de peruano ou boliviano ou uruguaio ou paraguaio , ou 171 mesmo.

Mais um tempinho lendo, deu a hora que eu havia programado, o sol dado lugar à sombra fria de outono, eu, como boa capricorniana, já levantei para partir para as outras funções da minha lista de afazeres de domingo.

O exu voltou:

- Você falou que ia falar comigo quando acabasse de estudar.

- Mas eu tenho que ir embora. Disse, catando a minha canga.

- Olha, você disse uma coisa certa, tudo tem seu preço, mas também tudo é negociável.

Eu não estava acreditando no que estava acontecendo, senti medo.

Ele tirou o óculos escuros e disse “olha pra mim”, como quem diz: “eu sou bonito”.

Achei cômico.

Deixei-o falando sozinho e sai andando. Ele chamava: Maria, Maria.

Tipo cena de cinema de filme romântico, e nunca tinha me visto na vida. 

No caminho da areia do leme até o calçadão outro desconhecido íntimo:

- Já vai?

Questionei a minha sanidade mental. Será que eu havia conhecido aquelas peças em algum momento de cirok ou amarula ou jurupinga ou boazinha e não me lembrava?

Deixei pra lá e fui andando para o mercado, olhei para trás e quem estava?

O peruano/boliviano/uruguaio, mais brasileiro do mundo. Não desistia nunca.

Perguntou-me:

- Você não quer conhecer pessoas? Porque, Maria? Eu estou descalço, eu não disse que quero ficar com você, só quero te conhecer.

Disse “ficar com você” em alguma expressão da língua dele, mas que queria dizer isso.
Eu já estava com bastante medo, e disse:

- Não, não quero conhecer, eu estou numa fase introspectiva da minha vida.

Se ele fosse o Amor da Minha Vida nº23, eu até poderia querer conhecer e trocar meu Dupas por um papo furado com gargalhadas e bochechas vermelhas, mas não era o caso.

Será que é o tinder ou isso?


Bom, vou ter que pensar sobre ir à praia sozinha.