segunda-feira, 29 de abril de 2013

O carnaval além da festa


Introdução
A cidade do Rio de Janeiro vive um ressurgir do tradicional carnaval de rua. Ao som das clássicas marchinhas ou levados por novos acordes, os foliões se espalham por toda cidade do Rio em jornadas festivas que começam às sete horas da manha e adentram as madrugadas. Em dez anos o carnaval de rua se transformou de um acontecimento local, centralizado em alguns bairros da cidade, em um fenômeno urbano que atrai pessoas de todo o Brasil. Em matéria publicada no jornal O globo, a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro divulgou que no ano de dois mil e treze, o carnaval de rua da capital fluminense movimentou mais de 5,3 milhões de foliões.
Nesse sentido o presente texto busca demonstrar de forma clara e objetiva a parceria publico privado estabelecida entre a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e a empresa de realização de eventos Dream Factory, responsável pelo planejamento, organização e gestão do carnaval de rua da cidade maravilhosa. Procura-se levantar questões pontuais sobre os desdobramentos econômicos e sociais da iniciativa.
Formalização da parceria
A parceria é formalizada por instrumento contratual devidamente publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro. O citado contrato realiza-se de forma consecutiva desde sua primeira implantação no ano de 2009, através da Riotur – Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro S/A e a Dream Factory-Comunicação e Eventos Ltda, com a interveniênciada Companhia de Bebidas das Américas-AMBEV e da ITAÚSA- Investimentos Itaú S/A. A citada empresa é responsável por elaborar e implantar um projeto que abarque o calendário oficial da temporada de carnaval de rua da cidade. Assim sendo, cabe à empresa organizar toda a infraestrutura necessária à realização do evento, assim como negociar junto às principais ligas de blocos os horários e percursos a serem realizados pelos participantes.   
Essa iniciativa publica privado, estabelece normas e regras a serem cumpridas de modo que “transformou o carnaval de rua da cidade em produto turístico organizado, um evento que é bom tanto para os foliões quanto para quem não brinca o carnaval e, também, uma propriedade valiosa para as marcas” (http://doweb.rio.rj.gov.br/ler_pdf.php?edi_id=1978&page=73). 
A partir desse panorama geral, foi realizada investigação para levantar dados em vista a responder questões referentes à articulação existente entre as esferas publico privado e apontar desdobramentos socioculturais dessa iniciativa. Nessa perspectiva, verificar a ação do capital privado no espaço urbano e sua influencia no fenômeno de revalorização do carnaval de rua na sociedade carioca - sua aparente espontaneidade frente aos incentivos do marketing empresarial. A criação de nichos econômicos exclusivos para as empresas patrocinadoras do evento. Assim como gerar base cartográfica sobre a espacialização do fenômeno na cidade. Em suma, a transformação de um acontecimento sociocultural em um recurso econômico a ser efetivamente explorado.
De foliões a consumidores – marketing empresarial nos blocos de rua
Conforme nota publicada no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, no dia vinte de agosto de 2012 (doc. em anexo), a empresa de eventos Dream Factory, firmou contrato para organização do carnaval de rua 2013 da cidade do Rio de Janeiro. Segundo nota publicada no Diário Oficial do município do Rio de Janeiro no dia onze de outubro de 2012, o presente instrumento foi assinado sem a ocorrência de processo licitatório devido à falta de concorrência - única proponente do projeto foi a citada empresa. Assim sendo, pelo quarto ano consecutivo o carnaval de rua da cidade do Rio de Janeiro, esteve sob os cuidados da Dream Factory. Ao verificar os valores, se constata: não oneroso. Em outras palavras, a empresa arcou com os custos totais da montagem da infraestrutura do evento, sem aportes de parte da prefeitura. Isso foi possível devido à interveniência das empresas AMBEV e ITAUSA, que junto à Dream Factory e a outros patrocinadores menores, somaram um valor de investimento total de 20 (vinte) milhões de reais (http://www.valor.com.br/brasil/2545146/carnaval-gera-us-850-milhoes-para-o-rio-de-janeiro).
Não foram encontrados dados suficientes que permitissem descriminar os valores lucrados por essas empresas durante o evento. Segundo a Agência Brasil de comunicação em nota publicada no dia 18 de fevereiro de 2013:

“O carnaval de rua da capital fluminense movimentou este ano mais de 5,3 milhões de foliões, de acordo com balanço divulgado hoje (18) pela prefeitura carioca. O resultado significou um aumento de 0,19% em relação à festa do ano passado. Do dia 19 de janeiro até o dia 20 de fevereiro, 1, 212 milhão de visitantes estiveram na cidade, gerando uma renda de cerca de R$ 848 milhões” (http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-02-18/numero-de-folioes-aumentou-no-carnaval-de-rua-do-rio-este-ano).

Esse montante de números e valores exige empresas de alto poder de ação e influencia no setor publico. A frente da empresa Dream Factory, encontra-se Roberta Medina (Presidente da Empresa) filha do influente publicitário Roberto Medina. Com dez anos no mercado de mega eventos a empresa já organizou o Rock in Rio em suas versões no Rio de Janeiro, Portugal e Espanha; Maratona da Caixa Econômica - Rio de Janeiro, produção da árvore da Lagoa Rodrigo de Freitas na zona sul carioca; está a cargo da jornada da juventude cristã que ocorrera no rio de Janeiro, dentre outras realizações. Dado relevante dessa parceria publica privado estabelecido entre a empresa Dream Factory e o partido político PMDB-RJ verifica-se na constatação de que a empresa aumentou vertiginosamente sua atuação no espaço publico carioca a partir do primeiro mandato de Eduardo Paes à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro em 2009.    

Em matéria publicada na pagina oficial do vereador Eliomar Coelho do partido político PSOL-RJ, lese:

“O mandato Eliomar Coelho descobriu que a empresa (Dream Factory) doou R$ 347 mil à campanha de Eduardo Paes nas eleições do ano passado. Eliomar pedirá, ao Tribunal de Contas do Município, uma inspeção extraordinária nos contratos firmados pela prefeitura para a realização da festa momesca na cidade” (http://www.eliomar.com.br/por-que-a-ambev/).  
           
Encontra-se publicado no blog do ex-prefeito Antony Garotinho:

“Dream Factory ganha tudo sem licitação. É a decoração de carnaval, a produção dos blocos, agora Jornada Mundial da Juventude, uma atrás da outra. E não custa lembrar que corre na Justiça a Ação Popular contra Cabral por ter dado à Dream Factory R$ 5,8 milhões, em 2010, a pretexto de patrocinar, pasmem, o Rock in Rio que foi realizado em Lisboa, Portugal. A ação pede que Cabral devolva aos cofres públicos essa fortuna” (http://www.blogdogarotinho.com.br/lartigo.aspx?id=9985). 

Espacialização e território empresarial do fenômeno urbano

O projeto para o carnaval de 2013 denominou-se - Carnaval do Rio: cada vez melhor. A organização administrou os 492 blocos de rua cadastrados na Riotur que desfilaram por sete regiões da cidade, a saber: 148 (zona sul); 47 (Barra); 37 (Zona Oeste); 25 (Ilha do Governador); 87 (Centro da Cidade); 91 (Zona Norte) e 57 (Grande Tijuca), durante os dias de dezenove de janeiro à vinte de fevereiro - dias do calendário oficial do carnaval de rua. A infraestrutura contou com a organização de transito nas ruas da cidade com controladores de trafego (1.200 diárias no total), 16.200 diárias de banheiros químicos espalhados por diversos pontos, cuidados médicos com 80 diárias de UTI móvel, produção e publicação com diferentes formatos, alem do cadastro dos vendedores ambulantes.
Verifica-se um aumento vertiginoso não apenas no numero de blocos e foliões, mas sim no controle desses blocos de parte da empresa organizadora do evento. Em entrevista à Revista Época Negócios, Duda Magalhães – diretor geral da empresa Dream Factory, aclara:
em 2011, a empresa organizou 170 dos 460 eventos registrados pela prefeitura. Com o aumento de participantes nos blocos menores, no ano passado, esse número pulou para 350, de 476 registrados. De acordo com a Riotur, 583 blocos já estão registrados para 2013, um aumento de 22,48%” (http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2012/11/carnaval-de-rua-do-rio-cresce-e-tem-nova-cota-de-patrocinio-de-r-3-mi.html).
Essa informação é corroborada ao verificar que o numero de quinhentos e oitenta três blocos de rua registrados na Riotur, um total de quatrocentos e noventa e dois blocos foram cadastrados na empresa organizadora – somando 85% do total de blocos supervisionados diretamente pela Dream Factory.

A outra cara do carnaval de rua
Esse cadastro não atende apenas aos que se destinam a desfilar, brincar e pular o carnaval de rua. Abarca em igual instancia aqueles que pretendem trabalhar durante a realização do evento. Conforme esquema montado em conjunto à prefeitura, os vendedores ambulantes são devidamente cadastrados e, apenas trabalham no evento, os indivíduos com a credencial oficial da empresa Dream Factory. Esse procedimento ocorre na vila olímpica no bairro da Saúde e, conforme diversas reportagens divulgadas durante o período do carnaval 2013 ocorreram atos de insatisfação de parte dos trabalhadores ambulantes em face da organização do credenciamento. Segundo depoimentos houve negligencia no tratamento do pessoal que aguardava na fila do credenciamento:
“O ambulante Darci Ramos Neto, que vende diariamente refrigerantes, disse que ficou um dia e meio na fila e não conseguiu a credencial. “Já perdi dinheiro por causa da fila”. Muita gente atrás de mim conseguiu a licença, e eu não. Vi os próprios seguranças vendendo a senha por R$ 30 e duas caixas de isopor do kit por R$ 150” (http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/24/prefeitura-nao-libera-novas-licencas-para-ambulantes-no-carnaval/).
Essa situação se agravou e repercutiu em forma de manifestação realizada pelos ambulantes a sede da prefeitura na cidade nova.
“Terminou sem acordo a reunião entre o secretário de turismo e presidente da Riotur, Antônio Pedro, e representantes dos candidatos a ambulantes no Carnaval 2013. A Prefeitura não liberou novas licenças, como reivindicavam as centenas de pessoas que fizeram uma manifestação nesta quinta-feira na Cidade Nova” (http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/24/prefeitura-nao-libera-novas-licencas-para-ambulantes-no-carnaval).  

Território Empresarial
            A empresa de bebidas AMBEV patrocinadora oficial e interveniente do contrato de realização do carnaval de rua da cidade do Rio de Janeiro possui exclusividade de venda de seus produtos nos blocos cadastrados pela empresa Dream Factory. Assim sendo a empresa controla 85% do mercado, representado pelos foliões-consumidores. Esse fato cria aos participantes do evento a imposição de consumo de uma determinada marca de bebidas.
Os recortes de reportagens abaixo citados, demonstram de forma clara a forte disputa existente entre as empresas.
           
Conforme Alex Costa, secretário de ordem publica do Rio:

“Quem ganhou a exclusividade é a Ambev, então as mercadorias de outras cervejarias que veicularem propagandas sem autorização da prefeitura terão o material retirado, confiscado, e as empresas serão multadas — disse Costa. Segundo ele, a multa pela ação de marketing indevida ainda não foi definida” (http://oglobo.globo.com/blocos-de-carnaval/ambev-prefeitura-acusam-devassa-itaipava-de-marketing-oportunista-7563406). 

Para um executivo do setor, entrevistado pelo Jornal O Globo:

“Apesar da Riotur afirmar que vender outras marcas não é proibido, desde que a venda não seja acompanhada de um marketing agressivo, o fato é que conseguir cadastrar ambulantes para vender sua marca nos blocos não é facilitada pela prefeitura”.(http://oglobo.globo.com/blocos-de-carnaval/ambev-prefeitura-acusam-devassa-itaipava-de-marketing-oportunista-7563406)
A matéria conclui:

“Nos últimos anos, o carnaval de rua do Rio virou um negócio tão ou mais importante do que os desfiles do Sambódromo, tanto que a prefeitura pensa em ampliar as cotas de patrocínio da festa. Segundo reportagem na revista “Época Negócios”, a Dream Factory, empresa contratada para organizar o carnaval de rua, está conversando com uma terceira empresa, além de Itaú e Ambev, para vender nova cota, de R$ 3 milhões” (http://oglobo.globo.com/blocos-de-carnaval/ambev-prefeitura-acusam-devassa-itaipava-de-marketing-oportunista-7563406).

Conclusão
Frente ao panorama apresentado
 no ressurgir e revalorização do carnaval de rua na sociedade carioca a partir de sua espontaneidade social ou do impulso determinado pela lógica empresarial fortemente vinculada aos incentivos do marketing. Sob essa nova lógica as ligas dos blocos de rua se vem submetidas a negociar e se adequar as normativas estabelecidas e direcionadas pela lógica empresarial.
Verifica-se a partir dos dados apresentados e da lógica empresarial que direciona os sujeitos tomadores de decisão, o potencial de controle e ação das iniciativas da parceria publico privado estabelecido entre a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, através de seu prefeito Eduardo Paes – PMDB e a empresa Dream Factory, sob direção de Roberta Medina membro de influente família da sociedade carioca.   

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