Depois de casos de amor criados e mal sucedidos na
realidade, na adolescência, o contrato vitalício de solteirice estava assinado.
Aos dezenove anos, precocemente, ela tinha a certeza absoluta de que queria
dividir a vida entre trabalho, família e amigos. Afinal, até a professora de
antropologia tinha dito que na raça humana não havia monogamia, a certeza
tinha até base científica. Príncipe encantado só se fosse o dos filmes ou os da utopia, tão perfeitos ali. Os gatos tinham que ser em rodízio,
fortuidade, um charme e um bom perfume eram as únicas exigências.
Ela estava convencida de que a solidão era a melhor companhia, mas não
a solidão no sentido triste, ruim. Solidão que na verdade, chamava de
liberdade.
Tudo perfeito, muito bem resolvida, inabalável.
Aí vem a vida, e diz: SÓ QUE NÃO.
Uma sexta-feira chuvosa, na semana que precedia a sua saída da vida "teen". Havia passado o dia na função burocrática para
trabalhar em uns dos lugares que sempre sonhou.
A chuva passou, e sempre elas, as amigas convenceram. Iam para o bloco, e depois para o samba.
Chegando lá, só faltava a pena para ser programa de índio oficial,
e a dor no estômago que sentia ainda do único copo de vodka que tinha bebido no
réveillon, seis dias antes, sussurrava.
Mas já estavam lá, e faziam a única coisa que tinha pra
fazer, rir.
Riram bastante, e em algum momento, definido sabe-se lá por
quem ou pelo que, a menina virou para ficar de frente para as meninas, provavelmente
para falar ou encenar qualquer besteira. Virou e em um milésimo de segundo o
viu, e pensou "Nossssssssa, que lindo" com o "sss" assim
mesmo.
Viu, e quando viu, ele estava vendo também. Ele estava com duas
cervejas na mão.
Tudo muito rápido, porque no frame seguinte, olhou para as
meninas e por ele estar passando, não pôde dividir o que a retina tinha
capturado. Passava devagar, como quem não tinha pressa de chegar onde estava
indo.
Continuou falando ou encenando qualquer besteira, depois voltou para onde estava. E acredite, ele estava
na frente delas.
Não conseguiu racionar para pensar a quantos metros
exatamente. A timidez não deixou encará-lo, mas seu reflexo dizia, "é
ele".
Enquanto elas riam do que diziam, ele foi percebido por todas. O
assunto então virou o cara da tatuagem no antebraço que estava coberto pela
camisa, que só dava pra ler "Am". O que estava depois, a camisa
tampava e a imaginação feminina arriscava: "Amélia, Amanda, Amor".
Ele olhava para o grupo. Ninguém sabia pra quem.
A pretensão dela jamais seria suficiente para pensar ou dizer
que era para a sua pessoa.
A sinceridade das meninas sim: uma disse que era pra ela, outra disse ser pra outra, e foi assim que psicologicamente (porque
fisicamente não havia a menor explicitação do que se passava na cabeça dela) tirou o cavalinho da chuva.
Mas aí veio uma das meninas que estava longe e disse:
"EU JÁ VI, É UMA GRAÇA, E ESTÁ OLHANDO PRA VOCÊ".
Empurrou o cavalinho na chuva sem guarda chuva, mas de
cabeça baixa. Até que outra amiga a mandou retribuir o olhar. E ela,
convenientemente, obedeceu.
Olhou, e ele olhava pra ela mesmo. Olhou tanto, que quando
piscou estava do seu lado, e dizia: "Oi, tudo bem?". E ela respondeu sorrindo como sempre, apresentando todas as meninas, mais por vergonha do que
por educação, confessou mais tarde.
O irmão foi chamá-las para ir ao sambinha a alguns
passos dali. Depois de uma apresentação corrida, e meia dúzia de palavras trocadas, se despediram e ela pensou que nunca
mais iria ver aqueles olhos de novo, e jamais descobrir o que havia escrito na
continuação de "Am" debaixo daquela camisa.
Foram andando, e pararam em um lugar qualquer. Havia se enganado, lá estava ele. Viu-o, sorrindo e depois de um tempo, ele foi ao seu encontro.
Conversaram, conversaram, sentaram numa pedra.
De tempo em tempo, o rosto dele que estava bem em frente ao seu, chegava perto, racionalmente parecendo ser pra ouvir melhor o que estava dizendo, mas fisicamente, e psicologicamente dizia: vou te beijar.
Ela sentia um calafrio naquela parte do corpo em cima da
barriga e embaixo do peito, que talvez seu irmão enfermeiro saiba dizer, ela se
soubesse o nome próprio naquele momento, já era muito.
Uma hora, ele finalmente a beijou.
Todos pra lapa, e ele junto, com a mão na dela.
O "Am" da tatuagem, era de "América
Latina". Ele era viajante.
Ele era um mapa de histórias que ela queria descobrir.
Pegou seu telefone antes de beijá-la, ainda lá na pedra, aparentemente, mais por educação do que pra contatos futuros.
Despediram-se, e ela de novo, teve a certeza: ele não vai
ligar.
Só que estava enganada, pra variar. A teoria não era inabalável.
Ele mandou mensagem, e depois ligou, e ela também.
Já se ligam há 365 dias e mais alguns pingados.
Desde aquele dia, não se desgrudaram, e por mais difícil
que seja dividir a vida com alguém, é assim que ela quer que continue sendo.
O amor nunca foi a prioridade dela, e que por muitos momentos da sua vida curta, teve certeza, que entre homem e mulher, ele não existia.
Dividir a vida é um
exercício, é uma luta diária.
E quem foi que disse que a vida era fácil?!
Quanto ao amor, confessa, ainda não está completamente
convencida...
Mas se ele não existir, estão inventando um só pra
passar o resto dos dias juntos.
Inventando um amor só pra dizer todos os dias (tirando os da TPM): AMO VOCÊ.